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domingo, 12 de dezembro de 2010

Questão de pele


Coisa de índio, escravo ou marginal, a tatuagem teve que romper fronteiras sociais para conquistar a juventude dourada brasileira

Nenhuma nação desconheceu a tatuagem. Encorajada aqui, proibida acolá, ela independe de geografia, classe ou calendário e é tão antiga quanto a própria humanidade. Nasce e renasce em todos os continentes de modo espontâneo, ao sabor dos grandes deslocamentos humanos, seguindo (e escrevendo) a História de vencedores e de vencidos, dos reis e dos súditos, dos inuits do gelado Ártico aos marinheiros de Santos.

Não se sabe ao certo quando chegou por estas bandas, mas viajantes estrangeiros já se surpreendiam com as marcas pigmentadas na pele dos índios. Em 1512, Henri Estienne, um explorador francês, ficou impressionado com os rostos dos nativos, decorados com cicatrizes azuladas. Algumas iam das orelhas ao queixo. Quando cruzou o Atlântico de volta para casa, levou alguns índios consigo e os exibiu na corte francesa. Hoje se sabe que a prática era amplamente utilizada. Dos mundurucus (Amazonas, Mato Grosso e Pará) aos povos litorâneos, como os tabajaras, nossos índios se tatuavam para denotar sua origem ou marcar momentos de passagens, como a puberdade, e mudanças de status, como a de menino para guerreiro ou a de inimigo para escravo. Eles usavam espinhos e outros instrumentos de corte, como dentes de animais e diamantes. E o principal pigmento vinha do jenipapo. Nada muito sofisticado: em geral, as marcas se restringiam a desenhos geométricos rudes, distantes da intrincada elaboração da tatuagem das Ilhas Marquesas, na Polinésia Francesa, onde os homens eram totalmente “decorados” da cabeça aos pés.

As cicatrizes intencionais dos escravos – também chamadas de escarificação – eram outra marca corporal impressionante para os estrangeiros. “Fazem pôr por enfeite e sinal nas suas faces muitos lanhos, (...) indicativos da família, do Reino, do Presídio e do lugar onde nasceram”, descreveu, em 1793, o português Oliveira Mendes em Memória a respeito dos escravos e tráfico de escravatura entre a Costa d’África e o Brasil. Outro europeu a mencionar as escarificações dos negros escravos foi o historiador francês Ferdinand Denis (1798-1890). Ao circular pela Rua da Alfândega, no Rio de Janeiro da primeira metade do século XIX, afirmou que era chocante ver os negros seminus na rua, com suas “tatuagens bizarras, que servem de pronto para reconhecer as suas nações”. Denis se referia às cicatrizes intencionais, mas já emprega, em francês, a palavra “tatuagem”.

O termo passou a ser adotado depois que o inglês James Cook conheceu in loco a sofisticada tradição desenvolvida na Polinésia, em fins do século XVIII. Lá, os nativos usavam espinhas de peixe finíssimas, ou ossos de passarinho, para perfurar a pele e injetar um pigmento feito à base de carvão e ferrugem. O navegador registrou o costume em seu diário de bordo: “Homens e mulheres pintam o corpo. Na língua deles, chamam isso de tatau. Injetam pigmento preto sob a pele de tal modo que o traço se torna indelével”. A palavra taitiana era uma onomatopéia do som feito durante a execução da tatuagem. Veio daí a versão em inglês: tattoo.

O nome pegou e a prática se espalhou com os lobos-do-mar ingleses pelos sete mares. No século XIX, a tatuagem tinha virado moda entre marinheiros, operários, prostitutas e criminosos de todo tipo. No Brasil não foi diferente. Com a abertura dos nossos portos, a tatuagem alcançou o submundo. As descrições dessa prática marginal estão presentes em livros de médicos e criminalistas, e em crônicas jornalísticas do século XX. Em “Tatuagem e criminalidade”, tese apresentada na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1912, José Ignacio de Carvalho enumerava as tatuagens de presos da Casa de Detenção. Nomes, iniciais e emblemas de amor predominavam nos 994 tatuados que encontrou em um universo de 6.542 detentos. Os tatuados eram padeiros, baleiros, pedreiros, marítimos, cocheiros, domésticos e alfaiates, o que levou o autor à seguinte conclusão: “O indivíduo tatuado pertence, em geral, a uma classe inferior, estranha aos progressos da civilização”.

Essa era a visão corrente. Por conta da chamada antropologia criminal, surgida a partir da segunda metade do século XIX, as conotações pejorativas haviam se cristalizado na Europa católica. Da Itália até Portugal, tatuagem era coisa de cidadão de segunda classe. O mesmo não acontecia nos países protestantes, como Alemanha, Holanda e Inglaterra, onde reis, imperadores e aristocratas também adornavam suas peles. Era a marca do conquistador branco. O pai da moda foi o rei britânico Eduardo VII (1841-1910). Ainda príncipe, tatuou-se nas viagens de instrução, etapa necessária da educação militar do aspirante ao trono. O monarca fez tatuagens em Jerusalém e no Japão, as grandes mecas da prática na virada para o século XX. Depois de Eduardo VII, outros nobres adotaram o costume. Foi o caso de Frederico IX (1899-1972). Fotografias famosas mostram o rei da Dinamarca sem camisa, ostentando orgulhosamente tatuagens marinheiras e de emblemas de seu país.

Não se sabe ao certo se a elite brasileira conheceu o costume ou se teve interesse e meios de adotá-lo. Por aqui a tatuagem permanecia marginal no início do século passado, feita pelos próprios tatuados e por tatuadores amadores – a maioria deles estrangeiros de passagem pelo Brasil na condição de marinheiros. A situação só mudaria com a máquina de tatuar, patenteada pelo inglês Samuel O’ Reilly em 1891, mas que só chegaria deste lado do Atlântico no século seguinte.

O grande pioneiro da tatuagem no Brasil foi um ex-marinheiro dinamarquês estabelecido em Santos. Knud Harld Likke Gregersen (1928-1983), o “Tattoo Lucky”, nasceu em Copenhague e tinha a tatuagem no sangue – seu pai, Jens, era um tatuador de renome internacional. O próprio Knud afirmou várias vezes que sua infância e juventude se passaram no ateliê da família. Depois de anos levando a vida de marinheiro, desembarcou de vez no porto de Santos em 20 de julho de 1959. O Arquivo Nacional ainda conserva sua ficha de registro: ao se apresentar às autoridades, declarou-se desenhista e pintor. Seis meses depois, já estampava jornais e revistas. No dia 7 de janeiro de 1960, foi tema de matéria da Folha de S. Paulo.

A fama nacional de Tattoo Lucky, contudo, só veio nos anos 1970 e se deve a toda uma nova conjuntura. A tatuagem estava em alta nos Estados Unidos, mais especificamente em São Francisco, Califórnia. Lá se tatuaram ícones pop como Janis Joplin, Peter Fonda e Joan Baez, o que criou as condições para a contaminação da juventude consumidora de modas. Foi assim que ela renasceu por aqui. Quem levantou o dinamarquês tatuador foram os surfistas. Jovens praticantes do esporte passaram a viajar para Santos à procura do famoso Tattoo Lucky. Uns queriam dragões e panteras, outros preferiam flores, cogumelos ou pequenos símbolos da onda hippie.

Foram os surfistas os anfitriões da tatuagem no meio da classe média urbana. E a passagem da marginalidade para a consagração se deu em grande estilo: na voz de Caetano Veloso. Em 1979, o baiano cantava logo na primeira estrofe: “Menino do Rio/ Calor que provoca arrepio/ Dragão tatuado no braço/ Calção corpo aberto no espaço/ Coração, de eterno flerte/ Adoro ver-te...”. “Menino do Rio” era uma homenagem ao surfista José Artur Machado, o Petit, cliente de Tattoo Lucky e dono de um enorme dragão no braço esquerdo. Os versos chancelavam a sensualidade da tatuagem. Séculos de marginalidade – dos índios, escravos e pobres – viraram pó com aquela canção. A música foi tema de novela da TV Globo (“Água Viva”, 1980) e batizou um filme, dirigido por Antônio Calmon em 1981, que fez sucesso entre os jovens.

O terreno estava preparado: na onda da contracultura e embalada pelos meios de comunicação, a tatuagem enfim virou moda entre nós. De uma hora para outra, os filhos da ditadura militar quiseram se tornar meninos e meninas do Rio. O mercado nasceu e se expandiu com uma velocidade impressionante. Lojas de tatuagem começaram a ser abertas no Rio, em São Paulo, em Salvador e em outras capitais. Seus donos? Aquela mesma juventude que se encantou com as tatuagens que via ao vivo ou na mídia nas décadas de 1960 e 70. Agora estavam com a máquina e a tinta nas mãos. O resultado está aí, estampado na pele.

Toni Marques é jornalista, editor do programa Fantástico (TV GLOBO), e autor de O Brasil tatuado e outros mundos (Rocco, 1997).

Saiba Mais - Bibliografia:

ARAUJO, LEUSA. Tatuagem, piercing e outras mensagens do corpo. São Paulo: Cosac & Naify, 2006.

LOPES, Moacir. Maria de cada porto. Rio de Janeiro: Quartet Editora, 2002.

PERRONE-MOISÉS, Leyla. Vinte luas – Viagem de Paulmier de Gonneville ao Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.




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