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quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Somos todos bandeirantes!


Na Revolução de 1932, todo paulista foi identificado com os antigos desbravadores. Sua missão: provar a superioridade do estado e salvar o Brasil.

A figura do bandeirante paira como uma entidade sobre São Paulo: está nos monumentos, nos nomes de ruas e logradouros públicos, nas escolas, clubes e estabelecimentos comerciais. A Rodovia dos Bandeirantes une a capital a pontos do interior. A Raposo Tavares (tal como seu homenageado) leva ainda em direção às missões do Tape e Itatim, enquanto a Fernão Dias serpenteia como que à procura das minas de esmeralda e das montanhas das Gerais. Atravessa-se o poluído Tietê pela Ponte das Bandeiras.
Do modernista Monumento às Bandeiras no Ibirapuera, de Vítor Brecheret, à kitsch estátua de Borba Gato, na antiga Estrada de Santo Amaro, não lhes faltam louvações. As homenagens começaram ainda no século XVIII, quando cronistas como Frei Gaspar da Madre de Deus e Pedro Taques de Almeida Paes Leme enalteceram a figura do bandeirante e suas conquistas heróicas. O crescimento econômico da província viria na segunda metade do século XIX, com a expansão da produção cafeeira.

Mas essa transformação não provocou mudanças na esfera política. A elite paulista continuava à margem do poder decisório, centrado na capital do Império, o Rio de Janeiro. Por isso, ela aderiu ativamente ao movimento republicano, defendendo mais autonomia para os estados. As camadas dirigentes paulistas recorriam à história para justificar seu direito a uma maior participação política. Para eles, desde o início da colonização os habitantes de Piratininga tinham sido responsáveis pela ampliação do território nacional, enriquecendo a metrópole com o ouro que encontraram em regiões distantes do litoral e levando a civilização para os mais longínquos rincões da América, transformados por eles em possessão portuguesa.

Graças à integração territorial que promoveram, os bandeirantes eram tidos como fundadores da unidade nacional. Representavam, por um lado, a lealdade ao estado de São Paulo. Por outro, a lealdade ao Brasil.O advento da República (1889) também não trouxe para São Paulo o poder que suas lideranças desejavam conquistar. E elas continuaram investindo na valorização de seu passado. Historiadores do século XX, como Afonso d’ Escragnolle Taunay, Alfredo Ellis Jr. e Alcântara Machado, dedicaram-se a realçar diferentes aspectos das bandeiras. Taunay seguiu o roteiro das expedições pelo território, Ellis Jr. apontou o surgimento de um povo superior (a raça Planaltina) e Alcântara Machado estudou as condições econômicas e sociais do século XVI.

Mas a oportunidade para o bandeirante emergir como verdadeiro símbolo capaz de solucionar os conflitos que desafiavam a nação surgiu na crise da virada dos anos 1930. O movimento militar de 1930, liderado por Minas e Rio Grande do Sul, derrubou o presidente Washington Luis, representante da oligarquia paulista, e alçou ao poder Getúlio Vargas. Contrariados, grupos políticos de São Paulo formaram a Frente Única, apelando para a luta armada pela volta ao regime constitucionalista. Em 9 de julho de 1932, lançaram-se em combates para a derrubada do governo Vargas.

Para convencer a sociedade de que desafiava a ditadura em nome da unidade nacional, nada melhor do que resgatar o velho mito. Os bandeirantes voltam ao centro dos discursos políticos. Com suas virtudes já consolidadas — coragem, audácia, honradez e rigor moral — um símbolo capaz de congregar o povo paulista. No recrutamento dos cidadãos para pegar em armas, convinha omitir a divisão de classes e os interesses de grupos. Uma causa maior se levantava, e ela tinha o irresistível apelo de um herói histórico.Na Faculdade de Direito, os alto-falantes convocavam para o combate, bradando: “São Paulo de Borba Gato, São Paulo de Anhanguera...”. Generalizações eram bem-vindas na chamada à luta: Nação, Nacionalidade, Civilização, Liberdade, Tradições Paulistas.

Durante o movimento, foi cunhada a expressão “paulista de quatrocentos anos”, pela qual as famílias mais antigas cultuavam sua ancestralidade e acreditavam pertencer a uma raça privilegiada. Mas para a guerra era preciso estender o privilégio aos imigrantes, negros e índios. Afinal, dos 7 milhões de habitantes que então povoavam São Paulo, menos da metade podia se orgulhar de descender dos colonizadores. A partir daquele momento, por paulista não se entendia mais somente o indivíduo nascido e criado no estado, mas todo aquele que para lá se transferiu, que se fixou em suas terras, que lá vivia e trabalhava.

Bandeirantes eram todos os que dispunham a lutar pelo estado e pelo Brasil, todos os que pudessem contribuir para a vitória. Era preciso tirar o país da ilusão ditatorial e fazer com que a nação brasileira trilhasse novamente os caminhos da democracia. A mesma alma altiva de Piratininga depositava ante o Brasil seu ouro, seu heroísmo e o sangue dos seus filhos. O hino “Ser Paulista”, de autoria do sargento B. João Pedroso, foi um dos muitos compostos durante a guerra: “Para frente Paulistas/ valorosos Bandeirantes/ Que dos tempos passados/ Têm conquistas/ E feitos brilhantes”.

O paulista em 1932 era como o sertanista do século XVII, que enriqueceu a monarquia portuguesa. Agora, ele doava seu “ouro para o bem de São Paulo”. Era o que afirmava o “Jornal das Trincheiras”, fartamente distribuído nas áreas de combate e no Rio de Janeiro. Ao narrar a epopéia de um célebre bandeirante, no artigo “Estirpe do Anhangüera”, o jornal declara que a “chama da civilização” agora era levada adiante pelo soldado constitucionalista.Um dos exemplos mais expressivos dessa campanha está no expediente do jornal “O Separatista”, apresentado assim: "Diretor: Fernão Dias Paes Leme. Redator Chefe: Antônio Raposo Tavares. Secretário Geral: Cap. Luís Pedroso de Barros”.

A Revolução de 1932 também não dispensou a força das imagens. Bandeirantes ilustravam toda uma sorte de papéis avulsos, volantes, cartazes, cartões e até partituras musicais que convocavam à luta. Ora apareciam empunhando a bandeira de São Paulo, ora acenando aos jovens, ora segurando a caricatura de Getúlio Vargas, como a esmagá-lo. O olhar firme e o porte sereno refletiam a bravura do sertanista, sempre vestido com os trajes com os quais os artistas da época o tinham representado: botas de cano alto, gibão, colete e, infalivelmente, o chapelão de abas largas que emoldurava um rosto barbado e de cabelos longos.

No poema “Minha terra, minha pobre terra”, Ibrahim Nobre, um dos mais conhecidos tribunos da Revolução, expressa com clareza a imagem que os paulistas tinham de si mesmos, desde que os primórdios da colonização:Terra Paulista! Da tua carne massapé e honesta, do teu ventre de mãe fecundo e são, veio a alma que realizou a nacionalidade, imprimindo-lhe o sentido da Independência e os rumos católicos da civilização. De ti proveio o Homem que confrontou a natureza peito a peito e que a venceu e a dominou a facão e a fé!A guerra culminou com a derrota paulista, em 28 de setembro de 1932.

Mas o mito não morreu. O imaginário do bandeirante torna heróico o cotidiano duro do homem de São Paulo e constrói uma identidade ao mesmo tempo coletiva e individual. O paulista se alimenta dessa mitologia para elaborar sua própria imagem, criando uma alegoria de igualdade, se não física, pelo menos moral, que acaba disfarçando os conflitos de classe. Em São Paulo, todos são herdeiros dos desbravadores do sertão.

Katia Maria Abud é professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e autora da tese O sangue intimorato e as nobilíssimas tradições: a construção de um símbolo paulista: o bandeirante (FFLCH-USP, 1986)

Saiba Mais - Bibliografia:BORGES, Vavy Pacheco. Memória Paulista. São Paulo, Edusp, 1997.

PAULA, Jeziel De. 1932 Imagens Construindo a História. Campinas, Editora da UNICAMP/Piracicaba, Editora da Unimep, 1998.


QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Ufanismo paulista: vicissitudes de um imaginário. Revista USP, 13: p. 79-87; mar-abr-mai 1992.

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